Um ídolo chamado conforto


23 São ministros de Cristo? (Falo como fora de mim.) Eu ainda mais: em trabalhos, muito mais; muito mais em prisões; em açoites, sem medida; em perigos de morte, muitas vezes. 24 Cinco vezes recebi dos judeus uma quarentena de açoites menos um; 25 fui três vezes fustigado com varas; uma vez, apedrejado; em naufrágio, três vezes; uma noite e um dia passei na voragem do mar; 26 em jornadas, muitas vezes; em perigos de rios, em perigos de salteadores, em perigos entre patrícios, em perigos entre gentios, em perigos na cidade, em perigos no deserto, em perigos no mar, em perigos entre falsos irmãos; 27 em trabalhos e fadigas, em vigílias, muitas vezes; em fome e sede, em jejuns, muitas vezes; em frio e nudez.” (2Co 11.23-27)

O texto de Paulo é impressionante. Em sua dedicação ao ministério da reconciliação ele passou por tantos sofrimentos, incluindo à lista sua própria morte nas mãos de César, que fica difícil para nós reclamarmos de qualquer coisa. Nesses tempos difíceis que temos tido, gostaria de falar justamente sobre a diferença do que muitos passam em nome do evangelho e o nível de sofrimento que temos passado por causa do Covid-19.

Estevão foi apedrejado até a morte. Os apóstolos todos, excetuando João, foram martirizados em perseguições. Missionários ao longo da história perderam suas vidas – e ainda perdem. Pessoas passam por doenças terríveis e são vítimas de violências inomináveis. Por outro lado, a maioria de nós passa por isolamento.

Não estamos lutando na linha de frente de uma guerra. Não estamos sendo perseguidos. Não estamos sendo martirizados. Estamos confinados no conforto de nossas casas, fechados com nossas famílias. Não estamos em tribulação, ou mesmo em sofrimento. A não ser aqueles que foram diretamente afetados pelo vírus ficando doentes, ou perdendo seu “ganha pão”, tudo que temos diante de nós é mais tempo em família, de descanso e para fazer coisas que gostamos. Estamos engordando, dando formato a nossos colchões e sofás, então, de onde vem tanta ansiedade?

Nossa realidade não é de extremos sofrimentos. Sendo assim, nossa ansiedade não pode vir do sofrimento. Paulo parecia se lançar aos sofrimentos, pois tinha um ideal maior, mas não estamos nos lançando ao sofrimento pelo evangelho, logo, a ansiedade não vem de um ministério realizado em meios aos perigos. Creio, portanto, que nossa ansiedade vem do medo de perdemos nosso conforto e da rotina afetada. Entendo que nossa situação se assemelha a de Israel, quando prosperou.

Nas páginas do Antigo Testamento, vemos Israel estabelecendo aliança com povos ímpios. No auge de sua prosperidade divinamente provida, Israel temeu atrair inimigos em busca de suas riquezas e, ao invés de confiar no sustento e proteção de Deus, confiou na diplomacia e aceitou não apenas aproximar-se de nações ímpias, como permitiu que usos e costumes dessas nações adentrassem seu território. Nesses usos e costumes vieram seus cultos pagãos e a infidelidade a Deus se instalou.

O medo de perder seu conforto conduziu Israel à infidelidade. Ansiosos quanto ao que lhes poderia acontecer, permitiram a idolatria e a luxúria. De fato, a idolatria do conforto já lhes dominava o coração e abriu a porta para idolatrias externas. Israel sucumbiu ao medo de perder sua rotina próspera e do ataque de outras nações. O medo não era real, pois estavam lidando com possibilidades, com um futuro possível e não com a realidade – isso é ansiedade.

Não é interessante que um homem sofredor não recuou e uma nação próspera e tranquila desviou-se? Por isso, cuidado com a forma que tem encarado essa situação. Ela requer atenção, mas seus cuidados exigem ficar em casa, desfrutar de nossas famílias e proteger-nos e aos outros quando saímos. Não estamos enfrentando desabastecimento, a invasão de nosso território, ou mesmo a ameaça de um homem violento. Se Paulo não se abateu em situações de real perigo e sofrimentos presentes, devemos nós, no fim, sermos gratos a Deus e que só estamos tomando precauções para que as coisas não fiquem realmente feias.

A ansiedade é uma antecipação com a qual tentamos agir na ilusão de que temos controle de nossas vidas e que podemos fazer algo para evitar todo mal – não podemos. Tendo em vista a vida de Paulo, fica evidente que a realidade das dores e sofrimentos não são suficientes para nos dominar. Portanto, numa situação séria, porém não tão ruim, como a que vivemos, nosso domínio próprio precisa dirigir nossas ações e, ao invés do desespero de reações pecaminosas e irracionais, movidas pela perda do conforto, precisamos seguir o conselho do apóstolo sofredor:

Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças. 7 E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus.” (Fl 4.6-7)



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