"Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim." (Jo 14.1)

Os discípulos acabaram de ouvir de seu mestre uma reafirmação de sua morte. Eles estavam ceiando e comemorando a páscoa, uma festa que fala de vida, mas que foi fundamentada na morte. Além disso, o Senhor estava esquisito, veio com uma história de lavar os pés de seus discípulos e mandou que eles agissem assim. Para piorar, o Mestre havia lhes revelado que entre eles estava o traidor que viabilizaria sua morte. O coração dos apóstolos se perturbou, por isso, vemos no capítulo 14 de João, o discurso de Jesus, cujo objetivo era oferecer conforto ou razões para que seus corações não fossem tomados pela tristeza, dúvida e temor.

A primeira razão dada por Jesus é a de que eles deveriam olhar para o porvir. O mundo se voltaria contra os discípulos. Aqueles que confessassem a Cristo seriam perseguidos e mortos. O mestre não estaria mais aqui com eles. Ao invés dos apóstolos buscarem um porto seguro, o Senhor dá a eles uma esperança que é mais animadora do que qualquer fortificação, exército ou coisa que o valha, que lhes desse alguma proteção física.

Cristo lhes move os olhos para fora deste mundo. Ele quer que os corações dos discípulos transcendam essa realidade caída e se concentrem na promessa de que na casa do Pai há muitas moradas e que seu Mestre lhes prepararia lugar. Se este mundo os rejeitaria, os discípulos poderiam estar certos que no seio do Pai havia lugar para eles, mas eles precisavam focar uma realidade superior e, por vezes, aparentemente longe de mais.

De fato, a realidade para a qual Jesus queria que os apóstolos olhassem era para ele mesmo. Cristo lhes garantiria o lugar. Era o Redentor que preparava o lugar. Jesus, portanto, quer que nosso coração descanse nele e creia que somente nosso Salvador é capaz de nos tornar aceitáveis na presença do Pai. Além disso, nosso Senhor dá outro motivo para que nosso coração não se turbe: o bom caminho que temos diante de nós.

Jesus continua a fazer com que os discípulos foquem sua pessoa. Tomé lhe pergunta do caminho e Cristo, mais uma vez volta-se para sua pessoa. Em qualquer um isso seria razão para duvidarmos de sua humildade, mas o Senhor acabara de lavar-lhes os pés. Verdadeiramente, quando nosso Redentor quer que olhemos para ele é devido à verdade com qual ele respondeu a Tomé: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim .” (v.6)

Não há outro modo de nos achegarmos ao Pai, e isso não é uma questão de soberba de nosso Senhor, mas da mais profunda verdade sobre nosso relacionamento com o Pai. Não somos capazes de agradar a Deus, que tem seu Filho perfeito como oferta. Somente pela vida de santidade e pelo sacrifício de justiça é que podemos alcançar graça e misericórdia da parte de Deus. Somente o Filho foi obediente ao Pai, por isso, somente pelo Filho nos aproximamos do Pai.

O Filho é a revelação da graça, da justiça, da ira, da misericórdia, do amor e de tantas outras coisas sobre o Criador que ele é a própria verdade. Jesus é a razão de todas as coisas, pois todas as coisas que foram criadas o foram para convergirem a ele (Ef 1.10). Jesus quer que olhemos para ele como sendo o único caminho, pois nele todas as coisas fazem sentido, de modo que ele é a verdade sobre o homem, as coisas e sobre o próprio Deus. Como todas essas coisas tem origem divina, quando relacionamos, por exemplo, verdade a Cristo, simplesmente dizer que Cristo conhece ou fala a verdade é pouco. De fato, a única forma de fazer justiça é dizer que Cristo é a verdade, o caminho e a vida, pois todas essas coisas tem nele sua origem.

Deste modo, nosso Senhor não apenas possui e pode dar essas coisas, ele as é. De seu ser provém fatos, conceitos, axiomas, propósitos e sustento para tudo que existe. Não há fato mais reconfortante do que saber que aquele que é por nós é capaz, por si só, de dar todas essas coisas.

Enquanto muitos buscam em contas bancárias, em empregos, na família, armas, fortes, ou qualquer símbolo de segurança um alicerce para os tempos maus, Jesus quer que olhemos para ele. Não só ele é o meio para chegarmos ao Pai e deixarmos para lá toda a amargura deste mundo mal, como também ele é aquele que dá a vida. Ele é a vida. Por sua morte temos vida. Por seu poder seremos ressuscitados, portanto, porque termos nossos corações tão conturbados pelas coisas deste mundo? Certamente, é devido ao fato de não conseguirmos mover nossos olhos para a realidade mais profunda e que se sobreporá a tudo: Cristo.

Outro fato que deve nos confortar é que seu ser também nos mostra que o Pai está presente, participando de nossas vidas. Ele pediu a seus discípulos que olhassem para suas obras, pois, por meio delas, o Pai poderia ser visto. Na pessoa de Cristo temos a presença do Pai. No Filho, o Pai se mostra presente na vida de seu povo, de modo único e perfeito. Os discípulos tinham mais esse motivo para aquietar seus corações. As obras de Jesus mostravam que, aquele que o enviara, estava participando de suas vidas. Eles não precisavam sentir-se sozinhos, desamparados ou temerosos quanto às suas vidas, pois tudo estava indo de acordo com a vontade do Pai.

Em momentos angustiantes, temos diante nós o mais profundo consolo: o ser de nosso Redentor. Nele temos supridas todas as necessidades e carências de um ser caído e à mercê de todo tipo de mazela. Nele temos alguém que é e não simplesmente tem. Nele percebemos que tudo aquilo que conturba nosso coração faz parte do caminho; caminho que teve sede, fome, sentiu dor, sangrou, morreu e ressuscitou. Caminho que nos lembrou: “Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: não é o servo maior do que seu senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros; se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa.” (Jo 15.20) e que também nos confortou: “mas tende ânimo; eu venci o mundo.” (Jo 16.33)

Nosso coração cheio de idolatrias, temores de homens e da falta de fé não consegue vislumbrar a profundidade do conforto que aqui temos. Quando vivemos pela fé, olhamos para as perseguições, para as dificuldades causadas por nossa fidelidade a Deus como uma honra e fruto da soberana vontade do Pai. Quando sofremos, só lembramos-nos da dor e nos esquecemos a quem servimos e o quanto ele usa, até nossos sofrimentos, tudo o que nos rodeia. Se ele usou o sofrimento se seu Filho, não usaria o nosso? Portanto, “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus” (Sl 46.10).

Comentários

  1. oi ricardo, tudo bem?

    muito bom seu texto. da minha parte, creio que as possibilidades do encontro entre o homem e deus e consigo mesmo transcende qualquer religião; sou universalista, logo, creio que jesus é tanto o caminho para deus quanto o amor praticado com sinceridade por aquele que nunca ouviu falar dele.

    gostei de vim aqui. um abraço

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  2. Eduardo, vou bem, obrigado.

    Agradeço sua visita e que bom que gostou do texto, mas permita-me discordar de você. Jesus é amor, de fato, mas o amor não é Jesus. Essa ordem deve permanecer assim, para que a pessoa possua o atributo, não o contrário. Acho que sua forma de pensamento tira a pessoalidade de Jesus e o torna um atributo, não alguém com quem nos relacionamos. Biblicamente falando, seguir o caminho, conhecer a verdade e ter a vida é uma questão de relacionamento com a Pessoa do Redentor.

    Entendo que pensar como você seria mais ou menos como alguém dizer que uma pessoa que nunca me viu me conhecer ou relacionar-se comigo, pelos simples fato de tomar uma atitude, ou ter uma característica igual a minha.

    Leia mais sobre epistemologia, cosmovisão e teologia, e penso que meu ponto ficará mais claro.

    Mais uma vez, muito obrigado por gastar seu tempo lendo meu texto.

    Bênçãos naquele que é em si, que está em todo lugar, mas não é nenhum destes lugares.

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