Falando corretamente com Deus

Tornou-se comum no meio evangélico um linguajar meloso e romantizado de se cantar a Deus. Vemos músicas com belos arranjos e com letras que, com algumas mudanças aqui e ali, poderiam ser utilizadas por casais de namorados, sem dever nada aos ícones da música romântica. O argumento é de que isso é fruto de nossa intimidade com Deus, porém, temos de ter cuidado com o linguajar, pois existem palavras que usamos com os amigos, com parentes, com conjugues, enfim, nossas relações pedem um linguajar próprio para elas.
Ainda que nosso relacionamento com Deus seja de intimidade, temos de nos lembrar que estamos íntimos de alguém que é muito superior a nós. Tratá-lo com um linguajar que usamos para com nossos semelhantes é um erro e até desrespeito. Os discípulos, por exemplo, mesmo andando com Jesus, comendo, dormindo, não deixaram de demonstrar, por meio do linguajar, que sabiam que estavam diante de alguém muito superior a eles.

Lembremos, por exemplo, de João, o discípulo amado, que inclinou-se ao peito de Jesus, para, na intimidade de sua relação, perguntar quem era o traidor, dizendo: “Senhor, quem é?”. Perceba que o relacionamento próximo não conduziu João a tratar Jesus como ele trataria a uma esposa, ou namorada. Por isso, me pergunto: por quê temos tantas músicas falando de deitar no colo, estou apaixonado, quero encostar no teu peito (o que nem faz sentido para a situação em que vivemos)?

Outro fator interessante, é que aquelas personagens da bíblia que foram descritas como tendo grande intimidade e importância nos planos de Deus, nunca usaram tal linguajar. Alguém poderia dizer que naquela época esse tipo de linguajar não existia, mas isso seria uma confissão de que este inquiridor nunca leu Cantares de Salomão. Esse livro está repleto de linguajar romântico e sensual, mostrando o proveito que a relação marital pode trazer para vida do homem, revelando que o relacionamento de Deus com seu povo lhe traz grande satisfação. Mas, lembre-se, o relacionamento marital é um exemplo, não um padrão a ser seguido. Ele serve de indicação do quanto Deus ama a seu povo e o quanto seu povo pode ter prazer em seu Senhor, porém, não nos mesmos e exatos termos e expressões.

Outra observação que podemos fazer é no livro dos Salmos. Aqueles são os hinos, os cânticos entoados pelo povo no Antigo Testamento. Os "compositores" experimentavam um relacionamento íntimo com o Senhor e, muitas vezes, incluíam o testemunho de milagres e até a mão de Deus pesando sobre seus pecados, de modo a movê-los ao arrependimento. Por mais profunda que fossem tais experiências, conduzindo o salmista a um relacionamento aprofundado pelo conhecimento e pela ação do Criador em suas vidas, nenhum deles usou palavras que eram utilizadas em relacionamentos íntimos entre homens e mulheres. Ainda que eu não concorde que só devamos cantar os Salmos, penso que eles servem de paradigma para que façamos nossas músicas.

Portanto, quando cantar, cuidado! Deus é seu senhor, não seu namorado, amigo, ou Zé da esquina. Ainda que tenhamos a possibilidade de chamá-lo de “paizinho”, isso não é a mesma coisa de dizer coisas melosas e romantizadas. Mesmo que pareça poeticamente bonito, não é teologicamente correto.

Comentários

  1. Muito bom. Belo blog,boa postagem, parabéns.
    Que Deus continue te usando e te abençoando
    cada vez mais.

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  2. Não consigo chamá-lo de paizinho, quando penso em sua grandeza.

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  3. Salviano Adão, muito obrigado.

    "Blogística", de fato, é desconsertante, mas, nesse caso, como há um precedente bíblico, Abba (Rm 8.15, ex.), podemos entender no sentido carinhoso e confiante, no qual as crianças utilizavam o termo, ainda que este tenha ganho um uso mais amplo com o passar do tempo. Sinceramente, mesmo diante disto, dificilmente consigo mirar só na paternidade de Deus. Ele é tanta coisa e em tudo é infinitamente grandioso que só mesmo chamando de Senhor e Deus, ainda que Pai.

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