Por que sofrer é importante? - Parte 2

4. Uni-nos aos que sofrem conosco:

Quando vemos catástrofes pelo mundo a fora, é comum que, mesmo em outros países, haja uma movimentação para ajudar os afetados pela tragédia. Pessoas que jamais se moveram para ajudar a outros, se comovem e, de alguma forma, enviam sua ajuda aos que sofrem. O sofrimento, assim, é importante para unir as pessoas.

Essa união é preponderante para que se supere o sofrer. A empatia e a simpatia humana se afloram pela capacidade que a maioria tem de se colocar no lugar do outro. Imaginar-se na dificuldade nos leva a abraçar os que sofrem – ou, pelo menos, deveria. Ai, é interessante notar que, como cristãos, podemos perceber a aproximação de dois grupos de pessoas: as que passam, ou passaram pela mesma dificuldade; e a própria igreja que assume o papel de chorar com os que choram.

4.1. Os que passam pela mesma situação:

É mais fácil para os que viveram ou vivem a situação, compadecer-se com o sofrimento alheio. Em tempos difíceis, percebemos que o sofrimento dos outros é importante para torná-los mais sensíveis aos que sofrem, a fim de darem apoio e, até mesmo, orientação em momentos de desorientação e desespero de outros. É claro que não devemos desejar o sofrimento de quem quer que seja, mas esse mundo de dor prepara pessoas para entenderem o que outras passam quando sofrem. Esse ciclo de dor que, aparentemente parece ser sem sentido, traz a possibilidade de que “veteranos” apóiem quem precisa. Além disso, podemos contar com a presença da própria igreja do Senhor.

4.2. A igreja que se aproxima:

Nesse tempo de dor pelo qual minha esposa e eu passamos, experimentamos a união com nossos irmãos. Pessoas de várias igrejas diferentes ligaram ou deixaram seu recado, ou mesmo nos visitaram, a fim de nos ajudar a suportar a dor da perda de nosso bebê. Isso não só nos deu força, como também nos uniu e apertou os laços com nossos irmãos.

Em Atos, vemos momentos em que a igreja orou por seus membros. Na prisão de Pedro (At 12), a igreja empreendeu incessante oração por ele diante de Deus. Na impossibilidade de fazer outra coisa, os irmãos oraram, ou seja, se voltaram para aquele que tem todo o poder em suas mãos.

Por vezes, simplesmente orar é uma ação muito importante para aqueles que sofrem. Nesse tempo tenebroso pelo qual minha esposa e eu passamos, saber que nossos irmãos em Cristo oravam por nós, demonstrando não só que sabiam a quem pedir, mas também nos faziam sentir o amor de cristo e que não estávamos sozinhos nessa luta.

De fato, não esperava menos da igreja do Senhor; desse corpo que trabalha pela mútua edificação (1Co 12; Ef 4) e que deve chorar com os que choram, ao tempo que riem com os que riem (Rm 12.15). Provérbios nos diz que: “Em todo tempo ama o amigo, e na angústia se faz o irmão” (17.17). É nesse tempo ruim que vemos o amor que há em Cristo naqueles que verdadeiramente são nossos irmãos. Ainda que a inveja possa dificultar a rir com os que riem, a falta de amor, que é o grande veneno dentro da igreja, torna impossível chorar com os que choram – e como choraram conosco!

Daí, temos outro fato interessante. Nos inúmeros telefonemas que recebemos, o lugar comum era o exercício de oração por parte de nossos irmãos – além de minha esposa e eu. Por isso, posso dizer que essa união era marcada por outro fato que mostra a importância do sofrimento em nossas vidas: a prática da oração.

5. Leva-nos à prática da oração:

Espero, obviamente, que você não ore somente quando sofre. A ordenança bíblica é que a oração seja uma constante em nossas vidas. Contudo, sabemos que o crente tem seus altos e baixos. Por isso, entendo que o sofrimento, ao nos lembrar de quem somos, nos faz orar, buscando Aquele que sabemos quem é e o quanto pode.

Ao contrário do que muitos pensam, a oração não é um dom, mas uma obrigação e uma graça, ao mesmo tempo. Todos os crentes devem ter vida de oração. Interessantemente, nas listas de dons, não vemos qualquer menção à oração; isso porque não se trata de um dom, mas de uma ordenança de nosso Senhor, como um meio de comunicação com nosso Pai celestial.

Vemos a oração num contexto de ordem, de lei, algo que deve ser observado por todos. Nosso Senhor não disse: “buscai os que oram, para que o façam por você”; pelo contrário, ele disse algo mais do tipo faça você mesmo: “Vigiai e orai” (Mr 13.33); ou ainda, como ensinou Paulo: “Orai sem cessar” (Ts 5.17). Tempos de angústia são excelentes para que vejamos que não há melhor alívio do que a companhia do Senhor, suficiente para nós, mesmo em tempos difíceis.

Orando, nos humilhamos diante de Deus, reconhecendo nosso lugar e nossa dependência. A oração não muda o Pai, mas nos molda à sua vontade, à sua dependência e nos faz entender que, nesse mundo de pecado, não há outra forma de sermos completamente satisfeitos, a não ser naquele que nos criou.
Muito mais poderíamos falar sobre a oração, mas neste blog você pode encontra vários outros artigos sobre esse assunto. Mas, deste ponto, podemos ir ao entendimento de que o sofrimento nos conduz a ansiar pelo mundo vindouro.

6. Faz-nos ansiar pelo que virá:

Em seu livro, Verdadeira vida cristã, Calvino demonstra esse ponto. Sofrimentos, dos mais variados, tem um papel importante para que não nos apeguemos tanto a este mundo caído. Quando sofremos, isso deve ser diretamente imputado à realidade que vivemos aqui. Deslumbrar-se com que há de bom nesta realidade é dispensar o verdadeiro banquete que há no porvir.

A dificuldade trazida pelos bons momentos desta vida é perceber o quão passageiros eles são. De fato, quando estamos bem com as coisas deste mundo, não lembramos de sua efemeridade. Para evitar isso, recomendo uma leitura bem minuciosa de Eclesiastes, para que você veja bem a inutilidade desta vida, se ela não for dedicada a Deus, portanto, voltada às coisas eternas.

Tudo que temos aqui, família, bens, prazer, posições, status, sonhos e ambições, são coisas passageiras e vazias de significado em si mesmas. Somente o eterno Criador, quando servido por essas coisas, traz sentido a elas. Isso significa que temos de nos desprender deste mundo, lembrando que nele tudo que é bom passa e que o sofrimento é certo, a fim de ansiarmos e focarmos em nossa eterna herança. É o sofrimento que nos lembra que mais desejável que viver em Paris, Londres, Nova Iorque, ou numa cidadezinha agradável, segura e aconchegante, é passar a eternidade na Nova Jerusalém.

Sem enfrentarmos o sofrimento, entendendo sua origem e sua intrínseca presença nesta realidade caída, teremos uma visão distorcida e cheia de esperança nas coisas desta vida. O Senhor nos fala de novos céus e nova terra (Ap 21.1), no entanto, aqueles que se proclamam crentes, servos de Deus, estão cada vez mais voltados para este mundo velho, caído e cheio de dor e o pior, fantasiando uma vida cheia de glória e completamente voltada para atrativos deste mundo. Nunca, ao meu ver, a fé das pessoas foi tão esvaziada de seu propósito como hoje.

Líderes falam de uma vida sem sofrimento, atraindo desavisados e desavergonhados, que só querem se satisfazer, usando slogans tais como: “Pare de sofrer!” Como se isso fosse possível neste mundo; como se esta fosse a promessa de Deus. Não vejo outra solução para essas pessoas, que não sofrer e terem de encarar de frente a realidade deste mundo e entender que seus sonhos, desejos e realizações tem de ter mais a ver com o que virá, que com o presente mundo.

Nossa realidade é caída, cheia de males e, ao mesmo tempo, repleta da glória de Deus. Ela está presente em cada canto, para que não nos esqueçamos do propósito de tudo que há. Com o sofrer não é diferente. Ele tem um propósito na obra de Deus. Recuso-me a acreditar numa visão que põe Deus à parte de tudo que acontece de ruim; isso é tornar meu sofrimento algo fora do controle de meu Senhor; é fazer de meu sofrimento um acidente inevitável e despropositado, ao invés de torná-lo algo trazido por Deus, para um propósito eterno e bom, por mais que seja difícil de entendê-lo; para mim, isso é insegurança total, pois haveria alguma outra força controlando e movendo a história além de meu Senhor.

Mas uma coisa é certa, o sofrimento tem de ser ligado a Deus de alguma forma, pois, como entender a cruz? O Criador enviou seu Filho para morrer. Ele teve misericórdia do pecador e por puro amor enviou seu Filho, antes de tudo, para sofrer. Ser reconhecido em forma humana, passar fome, sede, rejeição, açoites, traição e morte de cruz não são o sonho de qualquer pessoa, mas foi o plano de nosso Deus. O questionamento simples de Cristo a seus discípulos foi tão simples e claro: “Lembrai-vos da palavra que eu vos disse: não é o servo maior do que seu senhor. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós outros; se guardaram a minha palavra, também guardarão a vossa” (Jo15.20).

O sofrimento não foi só dos discípulos; qualquer um que deseja seguir o evangelho, rejeitando este mundo tem de estar pronto a ser rejeitado, perseguido e sentir na pele o que é lutar contra o pecado. Este é o mundo em que vivemos e o sofrimento está ai para não deixar que percamos isso de vista. Mas não somente isso, ao passarmos por todas estas coisas, somos solidários com nosso Senhor e entendemos melhor seu amor e sofrimento. Por isso, o sofrimento nos faz entender melhor o amor de Cristo ao sofrer por nós.

7. Porque nos faz entender o amor de Cristo ao sofrer por nós:

Entendendo que o Senhor é aquele que “cria a paz e faz o mal” (Is 45), poderíamos pensar que ele não é tão bom assim. Por outro lado, podemos ver que nem mesmo seu Filho foi poupado de seu plano de mostrar sua glória, mesmo em meio ao mais profundo sofrimento e escuridão humanos. Isso nos faz lembrar que nosso Criador não é um sádico que só quer o sofrimento de sua criação. Em seu plano eterno, o sofrimento maior foi reservado a seu Filho, que levaria sobre si o peso do pecado de seu povo.

Por mais que soframos, não teremos sobre nossos ombros a ira de Deus. Cristo, nosso Redentor, teve. Quando sofremos, temos a oportunidade de entender o grande amor com que nos amou o Senhor. Ao invés de blasfemarmos e perguntarmos o porque, a cada dor, deveríamos lembrar que nosso Salvador sentiu algo tão profundo, ao ter o peso da ira de Deus sobre seu corpo, que chegou a questionar: “Eli, Eli, lamá sabactâni? O que quer dizer: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mt 27.46).

O Pai não desamparou o Filho, mas este, ao fazer-se pecado em nosso lugar, sentiu toda a separação que o pecado faz entre Criador e criatura. Tanta dor em nosso Mestre não poderia significar outra coisa além do fato de que nós, como seus seguidores, sofreríamos também. Seja pelo evangelho, seja pelos efeitos do pecado, o sofrimento nos lembra que Jesus, que não tinha nenhuma necessidade, encarnou e tomou sobre si nossas enfermidades e foi transpassado por nossas transgressões (Is 53).

Ao sofrer, portanto, não pense o quão “coitado” você é; lembre que nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo passou por dor ainda mais profunda, a fim de nos livrar do pior sofrimento que alguém pode experimentar: a ira de Deus. Às vezes, penso eu, precisamos sofrer e lembrar o sofrimento de Cristo, para valorizar o que foi feito na cruz.

Não estou defendendo qualquer espécie de masoquismo cristão, mas não posso olhar para o sofrimento como simples fatalidade. Por entender que estou numa realidade criada, na qual o Criado estabeleceu todas as coisas, inclusive seus propósitos, tenho de ver qual o papel do sofrimento em nossas vidas. As Escrituras falam deste papel; elas enaltecem a fé que supera sofrimentos e o próprio sofrimento de Cristo como algo de extrema importância para nossas vidas.

Para mim, isso não é culpar Deus de qualquer coisa, mas ver-me seguro em suas mãos, pois sei que, se sofro, sofro em suas mãos e em seus bons desígnios. Faça ele o que desejar de mim. Choro pelas dores que ele me traz; alegro-me nas alegrias com as quais ele me abençoa, “Bendirei o SENHOR em todo o tempo, o seu louvor estará sempre nos meus lábios.” (Sl 34.1)

A você que sofre: força. Não tenho receita para fazer sofrimento passar, mas tenho verdade bíblica para lhe ajudar a enxergar com lentes corretas tudo que você passa. Hoje pode estar doendo, mas você nunca pode duvidar de quem é nosso Deus e que ele lhe ajuda a passar por suas dores, sem fraquejar na fé.

Soli Deo Gloria!

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