O conceito bíblico de liberdade


A liberdade é um desejo de todo ser humano; tal fato pode ser verificado por toda a história. Vemos povos lutando para se verem libertos de seus algozes. Homens lutando pela simples liberdade de serem negros, como na luta contra o Aparthaide na África do Sul. Por outro lado, a luta pela liberdade de hoje está longe de todas essas questões legítimas. O que vemos é um homem que luta por um tipo de liberdade mais individual.
Podemos exemplificar essa liberdade individual através da contínua quebra de tabus de nossos dias. O constante questionamento dos padrões e o esforço de muitos de fazerem aceitáveis seus padrões e vontades, tem levado a sociedade a tolerar comportamentos e conceitos anteriormente marginalizados. O homossexualismo, o bissexualismo, o sadomasoquismo, o sexo antes do casamento, a virgindade como uma questão sem importância, a legalização de drogas, góticos, emos, grunges, punks, budistas, thaoistas, xintoístas, católicos, católicos carismáticos, pentecostais, neopentecostais, tradicionais, protestantes, casuais, patricinhas, mauricinhos, todos esses grupos, como muitos outros, mostram a variedade de possibilidades de comportamentos e tribos com que se pode conviver. Tudo em nome da liberdade de pensamento ou comportamento.
Contudo, quando falamos de liberdade em termos bíblicos, não podemos pensar na liberdade almejada pelo mundo, que é a de fazer tudo o que se deseja. Na verdade, essa é uma boa forma de resumirmos o anseio do mundo: fazer o que quer que seja para satisfazer-se. Por outro lado, a liberdade a qual descreve a Bíblia não tem a ver com a possibilidade de se fazer tudo que se tem vontade, mas, sim, de vermos nossa vontade livre do pecado. Contrastando com a vontade deste mundo caído de sempre dar vazão aos impulsos caídos, as Escrituras nos mostram que tal “liberdade”, de fato, é a prisão que o homem vive de sempre pecar, de sempre buscar o que é errado. Não há possibilidade ao homem caído de buscar o que é santo.
Biblicamente falando, liberdade significa ver nossa existência livre do pecado. Seus efeitos sobre nossa vontade não nos permite viver de modo agradável ao nosso Criador, sempre nos movendo para longe dele. Em Cristo, experimentamos o que chamamos de liberdade cristã, e esta é oportunamente bem descrita na Confissão de Fé de Westminster, no capítulo XX, seção I:
A liberdade que Cristo, sob o evangelho, granjeou para os crentes, consiste em serem eles libertos da culpa do pecado, da ira condenatória de Deus, da maldição da lei moral; e em serem eles libertos deste presente mundo mau, da escravidão a Satanás e do domínio do pecado, da nocividade das aflições, do aguilhão da morte, da vitória da sepultura e da condenação eterna; bem como em terem eles livre acesso a Deus, em lhe prestarem obediência, não movidos de um medo servil, mas de amor filial e de espírito voluntário. Tudo isso era comum também aos crentes sob a lei; mas, sob o Novo Testamento, a liberdade dos cristãos é muito mais ampla, estando eles livres do jugo da lei cerimonial, à qual estava sujeita a igreja judaica, e tendo mais ousadia em seu acesso ao trono da graça e mais plenas comunicações do gracioso Espírito de Deus do que ordinariamente participavam os crentes sob a lei. (Cf. Tt2.14; 1Ts 1.10; Gl 3.13; Rm 6.14, 8.28; 1Co 15.54-57; Rm 5.12, 8.14,15; 1Jo 4.18; Gl 4.1-7; Hb 4.14,16, 10.19-22; 2Co 3.13,17,18)[1]

Muitos pensam que a CFW é algo retrógrado e desnecessário, mas prefiro ver que seu valor ainda é verdadeiro até para o jovem. Veja que em poucas e precisas palavras, temos uma definição bíblica da liberdade que deve ser buscada pelo Cristão. Veja que de uma escravidão de se buscar continuamente a satisfação de uma natureza pecaminosa, somos libertos para vivermos a possibilidade de satisfazer a vontade do Criador. Liberdade cristã trata-se de nos vermos livres do pecado e de seus efeitos. Efeitos esses que afetaram nossa natureza, portanto nossa vontade; nossa relação com Deus, com o próximo e com as coisas. Vendo por esse lado, entendemos que o mundo tem uma pretensa liberdade que, na verdade, é a prisão de sua vontade a todo tipo de impulso e desejo que deformam a imagem de Deus em nós, nos tornando menos humanos.
Fora de Cristo o que se tem é um homem dominado pelo sexo, dinheiro, bens e pela ilusão de que a satisfação pessoal é sinônimo de liberdade. A questão, porém, é que cristãos tem secularizado o entendimento da liberdade Cristã e procurado mais a satisfação pessoal do que levar uma vida que satisfaça a Deus. Ao invés de levarem uma vida livre do pecado, que destrói e corrompe, muitos membros de igreja tem buscado uma vida compatível com seus impulsos pecaminosos. É nesse momento que vemos que a liberdade passou a ser libertinagem.
A relativização da moral vista no mundo já tem tomado conta de nossas igrejas. Jovens cristãos não só tem tornado os pecados sexuais parte de suas vidas, como já buscam argumentos para justificá-los; mais do que justificá-los, eles já nem os consideram mais pecado. O pregador indiano, erradicado nos Estados Unidos, Ravi Zacarias, diz que em nosso tempo não se cobra mais que se aceite todo tipo de comportamento, mas que se celebre tais comportamentos – e como vemos crentes celebrando o que desagrada a Deus com suas atitudes. O mais triste é que muitos criaram um evangelho onde a consciência é o guia e a liberdade é a grande bênção. No entanto, essa consciência não é guiada pela Palavra de Deus, tão pouco essa liberdade tem a ver com a retirada do peso do pecado de sobre nós.
Esse triste quadro é o retrato da liberdade na mente do mundo e de muitos cristãos. Tal quadro revela o desconhecimento dos efeitos devastadores do pecado na existência humana. Todos os aspectos de nossa existência foram afetados, sendo corrompidos e destituídos da glória de seu Criador. Se todos nós soubéssemos que o pecado não parou de matar quando fez sua primeira vítima no Éden, não daríamos tanta vazão a seus impulsos, desejos e vontades corrompidos.
O triste resultado de tudo isso é que jovens que um dia se disseram servos de Cristo, hoje abusam da liberdade conquistada na cruz. Mais do que isso, sem se aperceberam, são escravizados pelo pecado. Enquanto o sonho de muitos adolescentes é o de se verem livres de seus pais para fazerem tudo o que querem, o plano de Deus foi o de nos livrar do pecado através de seu Filho, para que fizéssemos o que o Senhor requer de nós. Por outro lado, o sonho de liberdade dos jovens crentes tem se distanciado dos planos de santidade de Deus e se adequado mais ao modo de vida do mundo, aprisionando cristãos a ideais puramente voltados para o prazer.
A busca da liberdade do mundo tem sido para dar vazão aos impulsos sexuais e aos desejos por posses. Infelizmente isso tem sido uma prisão para muitos cristãos que se envolvem com pornografia, adultério, homossexualidade, ganância e etc. A crise entre o ser o ter, antes dita ser a crise do mundo, agora é a crise de jovens cristãos que deveriam viver uma vida livre dos ideais de um mundo de visão míope e que não tem mais nada a perseguir além da satisfação pessoal.
A liberdade que Jesus conquistou para nós nos leva à verdadeira vida. Enquanto muitos estão buscando uma vida que atendam seus próprios ideais - o que torna a imagem acima uma realidade em suas vidas -, o cristão deveria buscar livrar-se de tudo aquilo que o impede de viver a verdadeira vida. Essa vai muito além do que podemos conseguir nesse mundo. Nesse sentido, a questão é muito simples; nós, como servos de Deus, sabedores de que fomos por ele criado, temos de ter a consciência de que nossa existência só faz sentido e é verdadeiramente livre, quando dedicamos tudo que somos e temos àquele que é a fonte de tudo isso. Liberdade, portanto, não é uma questão de status, mas existencial, algo que é real para aquele que existe na forma mais plena de todas, aquela que compreende o que está em Romanos 11.36: “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente. Amém.”


[1] HODGE, Alexander A., Confissão de fé de Westminster comentada. São Paulo: Os Puritanos, 1999, p. 350.

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