Lembrar para a glória de Deus

Estou tendo dias agradáveis de férias aqui no Rio. Apesar da gripe e da chegada da chuva, o melhor da festa não está sendo estragado: passar um tempo com minha amada vozinha. Além de ser tratado com um rei, sempre tendo tudo a mão, aqui tenho boas lembranças de infância; da bagunça que os netos de minha avó faziam quando crianças. Bom tempos e boas memórias, contudo, a memória da patrocinadora de tudo isso é que não anda muito bem.

Com um estado avançado da doença de Alzheimer, suas memórias recentes se vão com penas num vendaval. Vejo todos os aborrecimentos que nós como família e ela como vítima desta doença sofrem. É observando tudo isso que vejo como a memória é uma bênção divina. Nas Escrituras, vemos diversas referências à importância da memória e seu papel em nossa relação com Deus.

Mais do que uma capacidade que nos ajuda e saber onde guardamos as coisas e quem são as pessoas a quem conhecemos, a memória é uma capacidade que deve ser usada para a glória de Deus. Assim como qualquer outra capacidade humana, a memória existe, antes de tudo, para que seu Criador seja glorificado por meio de seu exercício. Para tanto, vejamos alguns exemplos das Escrituras.

Uma das primeiras referências à memória que temos nas Escrituras é o arco-íris. Feito por Deus com um sinal de aliança, ele deveria ser encarado como uma lembrança de que a ira de Deus se derramou com águas sobre a terra e jamais seria derramada novamente assim. É claro que o Senhor não precisa de algo que o lembre de suas promessas, mas como sua relação com o homem era regida por símbolos que lembravam o homem de sua relação com Deus. De fato, o que o Senhor estabeleceu ali, foi um memorial contínuo de sua aliança com o homem, portanto, de sua promessa. A idéia da palavra ali utilizada é a de manter a coisa em mente, o que me levar a pensar na idéia de que o Pai queria sempre aquele peso em sua relação com homem. O intuito era que o homem lembrasse de sua misericórdia em salvar, mas que soubesse que essa salvação foi em meio a sangue. Isso significa que o memorial servia para manter a promessa de não destruição por água sempre presente na relação de Deus com o homem.

Em Êxodo 12.14 vemos outra referência à memória. Ali o Senhor estabeleceu que o dia em que o povo passaria o sangue de cordeiro nos umbrais das portas deveria ser celebrado. Aquele dia ficou conhecido como Páscoa e trazia à memória do povo a grande salvação que lhe foi dada por Deus. Percebemos que o Senhor quer que mantenhamos vivas em nossa memória suas ações sobre seu povo. Parece óbvio, mas interessante observarmos que se não mantivermos tais ações em nossa memória, pouco teremos pelo que louvar ao Senhor.

Isso pode ser visto em Jeremias, quando o povo já não mais lia a Lei. As memórias impostas pela lei, inclusive os utensílios e o próprio Templo perderam sua identidade, pois o povo não mais tinha a vontade de Deus em sua memória. No capítulo 2, vemos diversas referências à “falta de memória”. O povo já não era como seus pais, que eram gratos a Deus. O abandono da verdade divina, portanto daquilo que manteria viva na mente do povo a memória da ação de Deus e de sua vontade, levou o povo a uma atitude de ingratidão. Esquecidos de que tudo que eram e possuíam veio das mãos do SENHOR, os israelitas não tinham as forças de suas memórias empenhadas em glorificar a Deus. Ao contrário disso, o povo empenhou-se no que era mal perante o SENHOR e tornaram-se inimigos de Deus. Não é difícil, portanto, vermos como é importante usarmos nossa memória e alimentá-la com o que glorifica ao Pai; isso evita que ajamos com ingratidão.

Mas, antes de continuarmos, precisamos lembrar que em nossa memória não devem estar apenas os feitos de Deus. Mais do que isso devemos nos lembrar do conteúdo doutrinário, teológico ou teórico da vontade do Senhor. Quando o povo deixou de lado sua história com Deus, eles não apenas esqueceram de quando foram libertos do Egito, ou das grandes vitórias de Josué, Davi e tantos outros. Eles se entregaram ao pecado e mostraram que haviam esquecido das instruções do Senhor e de seu caráter vingador. Mais do que isso, esqueceram-se de toda a teologia das consequências do pecado e de como ele traz degradação ao ser humano. Lembrar, portanto, envolve fatos e conteúdos; não é à toa que a Lei nos instrui a nos cercarmos de seu conteúdo:

Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te. Também as atarás como sinal na tua mão, e te serão por frontal entre os olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas. (Dt 6.7-9)

Vemos o mesmo profeta Jeremias avivando as forças de sua memória, buscando esperança para um momento tão triste (Jr 3.21). O povo vira se cumprir as profecias de destruição e condenação que durante séculos lhes foram feitas. Jeremias ainda estava vivo e procurava em sua memória aquele conteúdo das profecias e das histórias de seu povo que mostravam a misericórdia e a restauração provindas do Pai. Em meio à destruição, mortes e numa terra estranha, Jeremias só tinha um recurso para lhe dar esperança: sua memória. Ela não só nos faz andar no caminho certo, mas também nos é um bálsamo em tempos de dificuldade. Quando tudo parece desmoronar, temos o recurso de lembrar dos feitos de Deus, de seu caráter e de suas promessas. Podemos nos confortar com os fatos e o conteúdo de nossa fé.

Em 2 Timóteo 2.8 vemos Paulo instruindo Timóteo, em seu difícil ministério em Éfeso, a lembrar-se. O jovem pastor deveria lembrar de por que eles lutavam. Timóteo deveria manter vivo em sua memória que o propósito de todas as dificuldades que o ministério trazia, incluindo as lutas e dissabores pelos quais passara Paulo, eram por Cristo. Esquecer-se dos porques nos submetemos às lutas próprias de uma vida de fidelidade ao evangelho é fadar-nos ao desânimo, fracasso e à consequente infidelidade.

Muito poder-se-ia falar sobre a memória e sua importância, mas o que temos aqui já nos faz pensar que não podemos dar pouca importância para esse assunto. Cuidar bem da memória é muito mais do que uma questão de lembra o nome de alguém querido quando se for velho. Isso envolve profundamente nosso relacionamento com Deus. A memória não é um acidente da criação, tão pouco algo que o Criador nos deu só para sabermos onde colocamos as coisas e qual o caminho da igreja. A memória é uma capacidade que o Senhor nos deu, para que nossa relação com ele fosse algo que permeasse toda nossa vida. Portanto, use sua memória para a glória de Deus.

Comentários

  1. Minha irmã, obrigado pela visita. Darei uma olhadela em seu blog e acho que um mútuo anúncio seria interessante.

    Bênçãos.

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